A História do Luís

O nosso post de hoje é bem diferente do de costume. É uma crônica sobre a situação nas comunidades cariocas. Vamos para ela:

O estampido foi tão forte que Luís só sentiu quando caiu no chão. Nesses segundos onde as balas entram no seu corpo até o chão, Luís viu sua vida passar num piscar de olhos e se perguntou: Onde errei?

Luís era um menino legal. Tudo mundo na comunidade gostava dele. Era um menino brincalhão que adorava jogar bola e soltar pipa na laje. Adorava seu avô que o levava para a praia. Ele amava! Curtia os papos de avô que contava seus lances lá do interior da Bahia, de onde ele era oriunde.

A vida era boa até o dia que avô morreu, diabético, por falta de assistência médica no Pronto Socorro. Luís chorou muito e jurou que seria médico para ajudar, mas todos na comunidade. A mãe disse que faria o possível para ele atingir o objetivo.

A mãe do Luís era diarista. Trabalhava na Zona Sul e às vezes em até duas casas. Queria um futuro melhor para seus filhos. Era solteira e tinha o Luís e duas filhas. O marido, companheiro ou o que seja caiu no mundo procurando outro rabo de saia. Assim, a mãe decidiu que homem em casa era um problema, e mais ainda com duas filhas.

No colégio, o Luís era um aluno exemplar. Adorava ler e escrever. Achava divertido poder viajar em outros mundos sem sair da sala de aula através da leitura. Um dia, ele adoraria ir para o exterior. Parecia bonito.

Mas, as coisas não era fáceis. Com o tempo a coluna da mãe do Luís já não permitia fazer duas faxinas por dia. Precisava ela de medicamento, que o Posto de Saúde não dava. Então, a irmã mais velha começou a ajudar e começou também a trabalhar com faxina nas casas da Zona Sul.

Com a vida cara e a mãe doente, Luís teve que abandonar o colégio. Resolveu procurar um emprego, de office-boy ali pelo centro da cidade. Mais para frente ele retornaria os estudos.

Luís morava longe, precisava de duas conduções para chegar no trabalho. Ganhava pouco e a grana dava mal para cobrir as despesas e a mãe não podia ficar sem os medicamentos para a coluna.

Um dia, de volta do trabalho, ele observou o vizinho. Roupa bacana, celular da vez e agora uma moto. Em tão pouco tempo. Ele não trabalhava como o Luís!

Algumas semanas depois, Luís seria demitido! Fora acusado de pegar a carteira da bolsa de uma funcionária. Não fui eu. E agora?

Aí, ele resolveu conversar com o vizinho. Queria saber, como ele, o vizinho estava bem financeiramente. E aí, o vizinho explicou: entregava cocaína para madames da Zona Sul. Era só buscar com o chefe e entregar na casa delas. Para isso, ele deveria estar boa pinta, bem vestido, com cara de Zona Sul.

Luís pediu uma vaga aí. Não aguentava mais trabalhar como uma mula, ganhar pouco e ser mal-tratado.

Em poucos meses, a vida do Luís mudou. Roupa nova, celular e claro, ficou mais fácil comprar medicamentos para a mãe. Conseguiu ir ao cinema! Levou toda a família. Ficou emocionado.

Enquanto isso, sua mãe dizia: “Luís, larga disso, cê tá se metendo em encrenca. Arruma um trabalho decente!” E ele respondeu: “Mas, mãe, a senhora precisa dos seus medicamentos. Trabalho normal não rende.” E a mãe respondeu: “Deus ajuda, meu filho! Saí desse vida”.

O trabalho era fácil e tinha umas madames que eram super-simpáticas, além de gatas! Até rolava paquerinha…

Tudo ia bem, até um dia que a polícia resolveu mostrar serviço na comunidade, com direito a transmissão pela TV. Ele ia saindo de casa para seu “trabalho” quando foi alvejado. De onde vieram os tiros, não se sabe.

Ainda levaram o Luís para o Pronto Socorro, mas ele já chegou morto. A comunidade chorou. Já era o segundo jovem, em menos de um mês. Luís tinha 17 anos.

Sua mãe faleceu poucas semanas depois, de desgosto…

Tirem suas próprias conclusões, mas essa pequena crônica faz parte do cotidiano de milhares de famílias das chamadas comunidades cariocas, o nome politicamente correto para as favelas. Até quando continuaram vivendo assim?

 

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